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Como ocorre a deliberação pública

É essencial que as audiências públicas sobre Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental de empreendimentos sejam precedidas e suportadas por um amplo, abrangente, eficiente e eficaz processo de comunicação e divulgação do projeto, suas particularidades, os impactos previsíveis e as compensações e procedimentos que minimizem o impacto que venha a provocar no ambiente escolhido para sua realização.

A audiência pública é parte da deliberação pública sobre a realização do empreendimento. Assim, aspectos socioeconômicos e ambientais precisam ser de conhecimento das populações envolvidas para que se manifestem, de forma contraditória ou de aprovação, dando à execução do empreendimento a legitimidade de realização.

Isso porque deliberação pública é um processo dialógico no qual ocorre a troca de razões na busca de soluções para as situações de conflitos que necessitem de coordenação e cooperação interpessoais e interinstitucionais, em clara atividade de cooperação coletiva, devida e corretamente articulada e com argumentos verídicos e essenciais à decisão.

Podemos ver a deliberação pública sobre três modelos, que, de forma razoável, relacionam os fatos sociais e históricos importantes:

– o modelo de pré-comedimento, que exige comprometimento;

– o modelo procedimentalista, claramente evidenciado pelo ritual do EIA-Rima;

– o de abordagens dialógicas da deliberação, que é o que nos interessa quando tratamos da deficiência do processo de comunicação deficiente de divulgação do EIA-Rima.

O terceiro modelo é o que permite envolve o público que participa da deliberação pública e a quem ela interessa, pois permite que se forma uma razão pública para a deliberação ocorra, ou seja, a que todos acreditam ser aceitável, pois, neste caso, todos os cidadãos veem reconhecido seus direitos civis de forma igual e nas mesmas condições de participação, uma efetiva demonstração de exercício democrático.

Somente desta forma a ideia de deliberação passa pela busca do consenso, que não será imposto nem arbitrário, mas que ocorre com base em acordo construído de forma democrática.

Em uma deliberação pública, como é o caso da audiência pública de um EIA-Rima, as razões oferecidas por ou para os cidadãos são mais convincentes, legítimas e verdadeiras, porque o cidadão exerce livremente sua capacidade deliberativa.

Um fator importante é o caráter e a necessidade de que a deliberação ganhe publicidade, que seja divulgada e chegue ao conhecimento do maior número possível de cidadãos.

A publicidade dá visibilidade à deliberação pública, seja por meio da mídia, seja por atos formais, até do próprio Estado. A publicidade é uma ação formal que pode ser vista como compartilhar o conhecimento comum, para que todos os envolvidos e/ou afetados pela deliberação, dela possam se inteirar.

Além do mais, a mídia exerceria a vigilância das questões políticas e civis, se apresentaria como um fórum para o debate pluralista e seria um instrumento importante para a mobilização e a participação dos atores envolvidos e interessados.

A publicidade dá e exige qualidade da razão política e da produção de tomada de decisões, mesmo dentro de uma quantidade considerada de opiniões. É por meio da deliberação pública que se adota decisões políticas corretas.

A audiência pública de um EIA-Rima, como diz o nome, é pública, desenvolvida em espaço público, aberto ao público, condição em que as razões se apresentam com mais qualidade e com possibilidade de serem aperfeiçoadas.

Em um fórum público, a manifestação da opinião pública se forma a partir de todas as perspectivas relevantes, interesses e informações e tende menos a excluir interesses legítimos, conhecimento relevante ou opiniões dissonantes apropriadas.

Como se trata de um processo dialógico, a deliberação pública precisa ter coordenação e cooperação entre os indivíduos que dela participam. Especialmente porque a deliberação é um conjunto de discursos e argumentos que se inter-relacionam de forma cooperativa e coletiva.

É a deliberação pública que elabora seu próprio objetivo, suas implicações, condições necessárias e um termo colaborativo de consenso que dá ao empreendimento condições para seguir as etapas de sua realização sem outros contratempos.

O sucesso da deliberação está condicionado ao reconhecimento, por parte dos participantes da “ação conjunta”, que eles têm influência nos resultados e contribuem para que sejam atingidos, mesmo quando não há concordância. É a ideia de que o “diálogo deliberativo” existe para “minimizar” a influência endógena, que não seja pública, para que a influência de contribuições seja benéfica para o debate público.

Isso ocorre por meio da conversação, atividade conjunta que precisa ser ativamente mantida pelos participantes, sob normas de sociabilidade.

A deliberação tem o caráter público de uma atividade organizada que permite a participação de todos os cidadãos, que o fazem de forma envolvida. As razões oferecidas na deliberação são convincentes para quem dela participe, o que favorece que a decisão adotada se baseia no consenso próximo da unanimidade, critério determinante para o acordo democrático, pois é pelo diálogo que a deliberação se torna pública e as decisões são legitimadas.

Kant já expressara que uma ordem política é legitimada quando permite a cada cidadão expressar sua objeção ou veto sem obstáculos ou impedimentos.

O que significa que a deliberação é legítima quando a voz do cidadão é elemento base para que a deliberação aconteça, num claro confronto com o exercício da tirania. Na deliberação, o princípio da igualdade política prevalece, se faz presente igualdade de direitos à liberdade de expressão, de consciência e de associação.

É pelos princípios da igualdade e da não tirania, que tornam a deliberação minimamente democrática, que se garante a presença aos cidadãos na deliberação. A publicidade forma e controla o espaço social necessário para a deliberação democrática, ou seja, a esfera pública.

A funcionalidade da deliberação necessita de um processo de comunicação que envolve as formas da comunicação e de entendimento como mecanismos para que ela seja efetiva, porque, repete-se, os discursos devem ser públicos e não podem se restringir às resoluções específicas em nome da razão pública.

Há, porém, que se observar a necessidade de distinguirmos diálogo de discurso e lembrarmos que a deliberação pública não impõe que o acordo dela decorrente seja um acordo unânime entre todos os participantes nem que haja acordo agregativo de partes. Importa que haja um ideal distributivo de acordo que outorgue a uma sua própria motivação para cooperar em um processo de julgamento público.

Apesar de se apresentar sob diversas formas, em face da diversidade de atividades e conflitos, todas as ações inerentes à deliberação pública possuem o princípio de igualdade, não tirania e publicidade, o que lhe dá, claramente o caráter da democracia.

Essa ideia é reforçada pela necessidade de que a deliberação pública ocorra desde que suas atividades sejam cooperativas e tenha vários atores, sujeitos plurais, indivíduos autônomos. Todos, embora com atuação distinta, cooperando e respondendo de maneira inter-relacionada.

Isso porque seu objetivo também é claro: solucionar, de forma coletiva e cooperativa, problemas decorrentes de interesses distintos que exijam solução que atenda ao interesse comum e também coletivo.

Claudio Luiz de Carvalho

Claudio Luiz de Carvalho, formado em Comunicação Social-Jornalismo, Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, Lead Assessor pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini, MBA em Gestão Estratégica de Empresas pelo Centro Universitário Central Paulista - Unicep, especialista em Gestão e Planejamento de Projetos Sociais pelo Centro Educacional Claretiano.