Alguns casos exemplares
Ainda que se perceba ser necessário que o processo de licenciamento ambiental no Brasil prescinde de comunicação mais ampla e efetiva, há alguns casos que se tornaram notáveis, tanto pelo seu desenvolvimento, como pelo seu desfecho.
Um empreendimento que despertou esse interesse foi a da Rodovia do Sol, de responsabilidade do DERSA (Desenvolvimento Rodoviário de São Paulo S.A.), responsável pelo desenvolvimento de sistemas modais de transporte. Três audiências aconteceram sobre o projeto de implantação e mais de duas mil pessoas participaram do processo (em 12 de abril de 1989, na cidade de São Sebastião-SP; em 14 de abril de 1989, na cidade de Jacareí-SP; e, em 20 de abril de 1989, na cidade de São Paulo).
Cerca de mil pessoas lotaram o anfiteatro da USP (Universidade de São Paulo), em um debate de quase cinco horas, promovendo uma das grandes polêmicas ambientais da década passada. A Rodovia do Sol ligaria Campinas a São Sebastião, no litoral paulista, por meio de extensão da Rodovia Dom Pedro I.
O EIA da Estrada do Sol, como ficou conhecido, foi rejeitado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente em maio de 1989. O Conama propôs um novo estudo para a duplicação da Rodovia dos Tamoios e outras alternativas.
As audiências sobre a Rodovia do Sol foram episódios de avaliação de EIA controversos, segundo o ex-conselheiro do Consema, Ricardo Ferraz. Nas três audiências foram levantadas as questões ambientais centrais: a divisão do Parque da Serra do Mar, o comprometimento dos mananciais do Sistema Alto Tietê, além da oportunidade de tornar visível os posicionamentos dos setores organizados da população e das entidades ambientalistas preocupadas com o episódio.
Essas reuniões demonstraram juma nova dimensão desse instrumento e indicaram também sua importância política no processo de licenciamento ambiental. No fim, prevaleceu a ideia de duplicação da rodovia existente (Tamoios), que está praticamente pronta e em operação nos dias de hoje.
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Imigrantes
A avaliação do EIA-RIMA da segunda pista da Rodovia dos imigrantes, em setembro de 1990, foi outro exemplo de polêmica em torno de um grande projeto viário para a Região da Mata Atlântica, cuja audiência também expressou um forte repúdio à obra, assumindo um caráter de “ato público”. Entretanto, este EIA foi mesmo assim aprovado e a obra foi concluída, sendo inaugurada em dezembro de 2002.
Mas o repúdio não deixou de considerar como importante uma alternativa adotada pela empresa dono do empreendimento (realizado sobre regime de concessão de rodovias, dentro do Programa de Concessão do Governo do Estado de São Paulo).
Trata-se do processo de escavação dos túneis, por meio do qual, com a drenagem, produziu-se muita água, escorrendo de forma constante e misturando-se a outros materiais oriundos da escavação. Para evitar a contaminação do meio ambiente por essa água, a empresa instalou em cada um dos túneis uma ETA-Estação de Tratamento de água, em um total de três, com geração de 200 mil litros de água por hora. Resultado: água limpa suficiente para abastecer uma população de cem mil habitantes. A água era recolhida por dutos instalados dentro dos túneis e, após tratada, era devolvida ao meio ambiente completamente limpa. Diz-se que foi uma medida ecológica até então nunca adotada em qualquer parte do mundo. Entretanto, uma informação importante que deixou de ser ampla e efetivamente tornada pública.
Mais rodovia duplicada
O projeto de duplicação da rodovia Engenheiro Paulo Nilo Romano (também dentro do Programa de Concessão de Rodovias do Governo do Estado de São Paulo) foi objeto de Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela empresa concessionária.
As justificativas para a execução do projeto foram: a ampliação da capacidade da via, atenuação dos conflitos de tráfego e adoção de melhorias previstas no contrato de concessão, como implantação de dispositivos de retorno, sinalização, etc.
A rodovia transporte, principalmente, caminhões de cana-de-açúcar, derivados de petróleo e álcool e veículos de passeio em deslocamentos sub-regionais e turísticos.
A rodovia corta os municípios de Itirapina, Brotas, Dois Córregos e Jaú. Entre Itirapina e Brotas, corta a APA de Corumbataí (Área de preservação ambiental), atravessando a zona de proteção de várzeas.
A obra de duplicação da rodovia aumentou o impacto que já ocorria sobre os ecossistemas frágeis das várzeas e potencializou esse efeito já que nascentes e matas ciliares seriam também atravessadas, totalizando 17 hectares de área de preservação permanente impactadas.
Houve a necessidade de supressão de vegetação nativa que ocupava a faia de domínio da rodovia e que era responsável pela acentuada beleza de paisagem da rodovia. Essa vegetação se encontrava em estágio secundário de regeneração, visto que, apesar da pressão antrópica, foi possível formar maciços florestais de espécies nativas típicas de cerrado. Segundo alguns pesquisadores, há espécies endêmicas na região que estão presentes nesses maciços.
A flora da região é bastante estudada, em parte fomentada pela existência da unidade do Instituto Florestal no município de Itirapina, que também foi impactado pela duplicação da estrada, pois perdeu área para a sua construção.
Entretanto, ainda que com o argumento de que a segurança da estrada e o aumento dos custos do projeto tornavam inviáveis a alteração do traçado da duplicação, a empresa terminou a estrada com várias alterações. Entre elas, mantendo em uma extensão de quase cinco quilômetros uma faixa central da vegetação nativa, nas proximidades da cidade de Brotas, preservando não só o meio ambiente como a paisagem (Brotas é uma cidade cujo turismo é reconhecido em todo o país).
A obra foi concluída e encontra-se em operação desde 2002.
Como compensação, porém, a concessionária, além de todos os programas comuns a uma licença ambiental, teve que realizar também alguns outros não comuns: Incentivo ao Turismo Regional, Apoio aos municípios, Educação Ambiental. Destaque para este último item, pois a empresa editou um dicionário ambiental básico para distribuir às escolas da região.
Rodoanel
Outro projeto bastante polêmico é o do Rodoanel de São Paulo. O EIA-RIMA apresentado pelo DERSA, referente aos trechos Norte, Leste e Sul da obra, não previa integração com outros projetos e ações na área de influência dos mananciais. Como exemplo de não contemplar integração com outros projetos, citamos a duplicação das rodovias Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Castelinho, Linha 5 do Metrô e do Ferroanel.
A obra do Rodoanel provocaria impacto no sistema de drenagem, emissão de ruídos, perda e fragmentação da vegetação, alteração nos habitats e corredores de fauna, além de interferências em áreas de preservação permanente e unidades de conservação.
Entretanto, a maioria da população, incluindo aquela que habitava a região e é a mais interessada no assunto, não tinha consciência e não sabia exatamente o que iria ocorrer e os possíveis prejuízos que o meio ambiente sofreria.
Não chegavam, por deficiência de comunicação, à população em geral, as informações sobre o que era o projeto, vendido pelo governo como obra essencial (e o é). A sociedade demorou para conhecer os detalhes, quais os benefícios, quais os danos, alterações que iria processar no ambiente e na vida das pessoas.
Exemplo dessa deficiência de informação e comunicação foi um trabalho apresentado na FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Segundo esse trabalho, apenas 3% das empresas da Grande São Paulo (portanto com interesse imediato na construção do rodoanel) tinham conhecimento prévio do projeto. Ora, a região possui mais de 3.000 empresas de médio e grande porte. Somente 90 delas teriam condições de estudar o que fazer para se adaptarem à obra, seja durante a execução, seja depois de concluída.
Mesmo assim, a análise foi feita sob a ótica econômica, onde os números podem justificar o menosprezo com outros aspectos, principalmente os socioambientais.
Caso o processo de comunicação do EIA-RIMA fosse mais eficaz, muitas das questões de impacto e soluções necessárias também seriam mais eficazes. De qualquer forma, movimentos da sociedade civil organizada se movimentaram, mesmo com a etapa do EIA-RIMA adiantado, incluindo manifestos divulgados pela Internet, mostrando a insatisfação e vontade de lutar pela preservação ambiental na Serra da Cantareira. O projeto sofreu alterações, o rodoanel será concluído, os benefícios de sua construção são realidade e o meio ambiente, embora impactado, teve a atenção do empreendedor e do governo.